Quando tinha 18 anos, Sam Smith escreveu a sua primeira verdadeira canção, num momento relâmpago de suposta inspiração do brilhante cantor soul. Três anos mais tarde e a canção já há muito foi esquecida, olhada como uma loucura ingénua. Como todos os cantores e compositores que são ricos em emoção, mergulham a fundo nas suas próprias pequenas complicações pessoais e dependem do seu precoce talento jovem para conquistarem o mundo, Sam resolveu nunca mais voltar a escrever uma canção que não viesse directamente do coração. O primeiro conjunto de resultados, expostos com uma voz de arrepiar, tanto na sua densidade quanto no seu alcance, vai ser alvo de escrutínio público com a chegada do seu álbum de estreia, em 2014.
Quando chegou ao número um da tabela singles, com o incrível e imparável êxito global, «La, La, La», a sua colaboração com o mago da produção londrina, Naughty Boy, Sam Smith não se sentiu triunfante. Sentiu-se aliviado. «Foi uma espécie de pequena prenda», diz. «Agora que tive um número um, já não me sinto pressionado. Claro que quero que as canções tenham sucesso mas começo a pensar em fazer uma afirmação artística. A partir de agora, o objectivo é mais egoísta. Arrumei aquela gaveta, foi óptimo, de certa maneira, foi fantástico, mas posso concentrar-me noutras coisas».
Qualquer pessoa que tenha encontrado Sam em digressão, a arrasar salas de tamanho médio com a sua dilacerante e sofrida balada «Lay Me Down», terá compreendido o apelo inato da sua arte e o seu particular potencial para agitar o mercado de massas. Sam é um homem grande, que fala suavemente, ao mesmo tempo que traduz musicalidade na humildade das suas frases. «Eu escrevo, exactamente, como falo», refere. Nasceu em 1992, em Cambridgeshire, uma pequena cidade satélite de Linton. A sua mãe era um dos grandes nomes da indústria financeira. O seu pai estava em casa, a tomar conta de Sam e das suas duas irmãs mais novas. A sua mãe, diz, é «incrível. Desde muito cedo, a minha vida tem sido marcada por várias mulheres fortes. A minha tia-avó foi uma das primeiras banqueiras. Nunca, ninguém, se referiria ao meu pai como sendo fraco mas foi sempre o lado feminino que dominou a família. Os níveis de estrogénio eram elevados e isso acabou por influenciar o meu amor pela música».
A casa estava sempre cheia de música soul e o jovem Sam desenvolveu um misterioso ouvido para o fraseado das mais intensas vocalistas femininas. O primeiro álbum que se recorda de o ter emocionado foi «My Love Is Your Love», de Whitney Houston, a sua total reinvenção urbana, editado no auge do escândalo que a envolveu com o consumo de erva. Com 8 anos, os pais descobriram a sua capacidade de reproduzir a enunciação de Chaka Khan. Uma das primeiras canções que compreendeu foi «Say A Little Prayer», de Aretha Franklin. «Ouvir todas aquelas vozes femininas, aquelas vozes fortes, provavelmente, para mim, pareceu normal por causa da minha mãe e das minhas tias. Cresci sempre com as vozes mas, sobretudo, com a emoção e o poder que elas transmitiam».
Como pode ser ouvido, no seu álbum de estreia, de forma clara e distinta, é que tudo em Sam tem a ver com sentimento. Na infância, foi confiado a um professor e cantor de jazz local e a primeira canção que aprendeu foi «Come Fly With Me», de Frank Sinatra. No início da sua adolescência, já estava a fazer coros na banda do professor, nos mais prestigiados espectáculos jazz da capital. Sam encontrou uma forma de dividir o seu tempo com uma escola de artes, em Londres, e o seu professor de canto tornou-se mais um fervoroso entusiasta deste jovem talentoso. E assim foi esvoaçando pela indústria da música até se ter cruzado com um manager, num concerto de Adele. «Eu tinha 16 anos e estava lá para ver a banda de abertura. Assim que cheguei a casa, nessa noite, fui ao MySpace e encontrei-o, para lhe pedir desculpa. Três anos mais tarde, fui a outro espectáculo e ele estava no público. Perguntei-lhe se ele se lembrava de mim e tornou-se meu manager».
A primeira pessoa que o seu novo conspirador lhe apresentou foi o compositor Jimmy Napes. Em conjunto, chegaram a «Lay Me Down». Em retribuição, Jimmy mostrou a canção aos Disclosure, emergente banda de deep house. Na sua primeira sessão de composição especulativa com os irmãos, ele sentiu uma ligação imediata. Juntos, escreveram «Latch», a primeira canção que levou a voz de Sam aos topes e o primeiro capítulo da épica história dos Disclosure. «Eu tenho a pop na cabeça. Sempre tive. Na escola, nunca me deixei levar por aquilo que estava na moda, como os outros miúdos faziam», diz ele, sobre o encontro com os Disclosure. «São rapazes incríveis e fizeram-me quebrar muitas barreiras apresentaram-me a DAngelo e a tantas outras coisas que, agora, adoro. Apresentaram-me à música de dança. Antes, quando ouvia música sem vozes, pensava qual é o objectivo? Mas eles deram-me grandes lições de história da música de dança. Eles compreendem-na muito bem».
Ao mesmo tempo que alcançava sucesso com interpretações como convidado, Sam estava a criar as suas próprias canções. Ímpares. «Disse a mim mesmo não quero estar num só estilo, quero correr riscos». Ao longo do trajecto, foi trabalhando com alguns nomes aclamados: Fraser T Smith, Two Inch Punch, Eg White. Mas sem nunca perder do horizonte quem é. Depois do seu sublime EP de estreia, intitulado «Nirvana», a sua primeira grande apresentação surgiu com o supremo momento pop do álbum, «Do It For The Love», uma canção que soa a instantâneo, saída de uma caixa de surpresas. Mas também tem melancolia. Com o foco colocado num amor não retribuído, vai, obrigatoriamente, deixar o ouvinte emocionado, ao mesmo tempo que repleto de esperança. «Acho que sim. Tenho andado a falar sobre títulos de álbuns e as pessoas dizem-me que é muito triste mas é suposto ser. Eu estava triste e escrevi sobre estar triste. Se tudo correr bem, em breve, estarei feliz e vou escrever sobre isso».
A sua pureza musical está a começar a chegar aos sítios certos. No seu Twitter, Adele já se revelou fã. Depois de um só concerto, em Nova Iorque, tornou-se um caso a não perder de vista, para Maxwell, um homem da soul. «É muito bom tê-lo como amigo». Recentemente, esteve em estúdio, em Old Street, com Nile Rodgers, para aquilo que, suspeita-se, será mais uma obra dos Disclosure. Juntou-se a Jessie Ware, Naughty Boy e a toda a cena do engenho underground de Londres que está determinado a levar o nu-soul até ao mainstream. Sam Smith pode estar na vanguarda da nova leva de talentos britânicos que seguem a linha do brilho verbal imposto por Jill Scott, Índia.Arie e Angie Stone, nos Estados Unidos, há uma década. Audaciosamente, no momento, ele faz uma versão de «Sweet Love», de Anita Baker e a canção parece ter sido escrita para si.
Porque é que ele acredita que o sucesso lhe vai sorrir? «Quando chegou a altura de compor e interpretar, decidi que teria que ser tudo verdadeiro. Quando ouvirem o meu álbum, as canções que eu adoro e que a minha editora adora são todas sobre momentos pessoais. Mas sei que as pessoas se vão identificar».