Tem apenas 28 anos, mas já viveu o equivalente a várias vidas. Depois de uma educação católica marcada pela perda do seu pai, o meio-ruandês meio- belga Paul Van Haver começou a ganhar nome na cena fundamentalista do hip-hop, ao mesmo tempo que trabalhava num restaurante de fast-food para reunir dinheiro suficiente para pagar o seu primeiro maxi-single.
Quando Stromae saltou para a fama do mundo da pop formatada, fê-lo com um desafio de gravidade tão leve como uma bola de sabão que atravessa as pistas mas com letras tão escuras quanto o último café de um prisioneiro do inferno.
«Alors On Danse», tornou-se um êxito internacional, atingindo o nº1 dos topes de mais de 15 países. Viria, ainda, a ser remisturado por Kanye West, o que poderia ter resumido a carreira do pós-adolescente, uma espécie de «Born To Be Alive» dos anos da grande recessão. De facto, alguns cínicos chamaram-lhe «one-hit wonder».
O seu primeiro álbum, «Cheese», obrigou os cépticos a reconsiderar, provando que a carreira deste maestro estava apenas a começar. Depois da conquista de um prémio Victoire de la Musique e de uma criativa e deslumbrante digressão, até os mais duvidosos estavam convencidos. A máquina Stromae estava apenas a aquecer.
O método é muito simples, desprovido de hype ou egocentrismo. Na sua mala, transporta um computador, um pequeno teclado para compor e três cadernos Moleskine, sendo que um está reservado às anotações das suas letras e outro às suas ideias para vídeos. Foi munido, apenas, por esta reduzida bagagem que chegou ao estúdio para trabalhar no, habitualmente, difícil segundo álbum, intitulado «Racine Carrée», uma referência à sua ordem meticulosa e também às suas origens africanas.
Toda a gente ficou com água na boca com as imagens captadas com uma câmara escondida, que revelavam um Stromae de ar abandonado, vagueando em frente à estação de comboios de Bruxelas. Os media, ao início, levaram as imagens a sério. Houve quem afirmasse que a separação da sua namorada o tinha levado àquela condição. Foi, então, que essas filmagens (com outros planos, novos) foram apresentadas como o vídeo oficial para o seu surpreendente single, «Formidable», a crua narração de um homem indefeso, destruído e marcado pelo álcool. «Nas minhas canções, nunca sou eu quem fala, é sempre uma personagem mesmo que exponha experiências pessoais que me envolvam. Eu preciso de ter algum distanciamento», explica Stromae. «Quando escrevi Formidable, chorei».
Choque doce e áspero, a canção tornou-se viral, alcançando 14 milhões de visualizações no YouTube, em poucas semanas. «O seu Formidable mostra aquilo a que a pop deve soar em 2013», escreveu o diário francês, Libération, que não costuma ser tão entusiasta com artistas novos. No entanto, este autor pré-esvaziou quaisquer analogias fáceis, insistindo que as comparações com o cantor belga Jacques Brel não fazem qualquer sentido: «Comparar-me com Brel é preguiça intelectual».
«Papaoutai», outra canção seminal, demorou muito até ficar concluída. As letras passaram por uma série de transformações, inicialmente «demasiado pessoais e escritas com raiva». Ao invés, ele concentrou-se numa forma destas letras poderem reflectir sobre a temática do álbum: a mistura de culturas e sons que o tornaram aquilo que é.
Depois destes dois sucessos, cada um dos quais a confirmar que este compositor é tão profundo quanto capaz de encher as pistas, tinha chegado a hora de preparar outro álbum. «Não se preocupem, vocês vão dançar», anuncia na primeira canção, «Ta Fête», que brilha com o cáustico groove de guerreiro que se tornou a imagem de marca do toque de Stromae.
Definitivamente, ele não é o tipo de artista que vai optar pelo produtor mais famoso ou pela sonoridade da moda. Ele tem as suas próprias tendências. Apesar da sua modéstia natural o impedir de reforçar o facto, a verdade é que «Racine Carrée» foi, inteiramente, escrito, interpretado e produzido pelo próprio Stromae.
Algumas, discretas, colaborações acrescentam pinceladas de cor à paleta do mestre. Por exemplo, o piano de Antonio Santo e a guitarra de Mauricio Delgados, em «Avé Cesaria», um tributo a Cesária Évora. Depois, há as contribuições de Orelsan na adaptação de «Carmen», de Bizet, e «AVF», e o projecto de hip hop a três, que conta com a participação de Maître Gims e da kora de Noumoucounda Cissoko, em «Bâtard».
«Não faço música para intelectuais nem para clubes. Faço a música que quero e, para mim, o groove é muito importante. Além disso, não acho que o inglês soe melhor que o francês». Como está evidente nas suas letras, tão audazes quanto brilhantes, entre as quais «Quand cest?», onde ele antropomorfiza a doença do século, o cancro. «Até quiseste a minha mãe, não foi?/Começaste com a mama/Depois foste aos pulmões do meu pai, lembras-te?». Educadamente desesperado, soberbamente discreto, terrivelmente preciso. Todo o trabalho de Stromae surge marcado pela sua sensibilidade, exibido na sua abordagem a um assunto que, dificilmente, poderia ser servido num prato de pop borbulhante.
Depois da edição do álbum, as reacções chegaram de todo o mundo. Apenas seis meses depois da sua edição, «Racine Carrée» já tinha vendido perto de dois milhões de exemplares, acumulado nºs 1 e prémios. Os vídeos do seu novo álbum já ultrapassam 200 milhões de visualizações. Mas, ainda assim, Stromae continua com os pés bem assentes na terra. «A fama é um meio para atingir um fim. O que é importante é compreender o caminho que o álbum vai fazer, a longo prazo».
Stromae é um artista dinâmico e sólido. Vai continuar a apanhar-nos de surpresa e, por isso, não tem medo dos ocasionais paradoxos.